No primeiro semestre de 2009, a direção da empresa de outsourcing Interlife percebeu que havia algo “errado” entre seus funcionários. A sinistralidade no plano de saúde chegava a 90%, um “índice absurdo”, como lembra Marcia Lourenço, diretora de RH da empresa. Incomodados com as altas taxas de absenteísmo e com a quantidade crescente de atestados médicos, a direção da Interlife viu que era hora de reverter aquele cenário, para o bem da continuidade dos negócios. O RH, então, entrou em campo para entender a situação.
A primeira medida adotada foi o levantamento das características de saúde de seus colaboradores por meio de um mapeamento. O quadro de funcionários da Interlife, 1,6 mil ao todo, é composto, basicamente, por jovens, com idade média de 23 anos, muitos deles em seu primeiro emprego. “Nossa prioridade foi com o grupo de grávidas”, revela Marcia. “Não sabíamos sequer se elas faziam o pré-natal, e toda primeira gravidez, quando indevidamente acompanhada, pode se tornar de risco”, afirma. E as estatísticas do levantamento confirmaram o sentimento da direção: a sinistralidade no grupo de gestantes era de 90%.
Mas a gravidez precoce não era apenas a única questão revelada no mapeamento: foi identificado, ainda, alto nível de sedentarismo, grande quantidade de obesos e abuso de drogas. A Interlife localiza-se em Taboão, município ao sul da capital paulista, e a população local é, em sua maioria, de baixa renda e com um nível de escolaridade precário. “As características de nossa localização são relevantes aos problemas identificados. Por isso, a empresa faz papel de educador”, acrescenta.
Com as estatísticas em mãos, foi lançado, no segundo semestre do ano passado, um programa de saúde dividido em seis áreas (emocional, física, financeira, alimentar, vital e pessoal), sendo a principal meta alcançar o equilíbrio em cada uma delas. “Não queríamos que fosse um projeto com início, meio e fim. Nossa ideia era tornar esse programa um hábito na vida das pessoas”, enfatiza Marcia. Seis meses após o começo do trabalho, os resultados apareceram: a sinistralidade caiu para 62,69%, em abril; e chegou a 46,63%, em maio.
As ações práticas, de forma geral, são palestras sobre problemas de saúde, conduzidas por profissionais da área, sobre temas como a prevenção contra o álcool, o perigo no uso das drogas e a conscientização sobre o tabagismo. “Cada mês é dedicado a um pilar e tudo é feito em parceria com empresas fornecedoras e a prefeitura de Taboão”, conta Marcia. Foram criados, também, um restaurante no prédio da empresa (o cardápio é elaborado por uma nutricionista) e um ambulatório médico para onde, recentemente, foram mobilizados os colaboradores a fim de tomarem doses da vacina de combate ao vírus H1N1. Além disso, há campanhas de como gerenciar melhor a vida financeira e um comitê responsável pela ergonomia. Segundo a diretora de RH, no começo, a grande dificuldade foi a aceitação às ações. “As pessoas não estão acostumadas a um tratamento com mais respeito. Elas se assustam”, destaca.
Fonte de debates
O exemplo da Interlife de implementar um programa de qualidade de vida é uma prática, atualmente, disseminada no ambiente corporativo e vista como “caminho sem volta” pelo mercado. Porém, esses programas não são unanimidade. Especialistas e empresas nos EUA, país que utiliza de forma mais ampla e há mais tempo essas técnicas nas corporações, começam a questionar seus resultados.
Em recente matéria publicada pela agência de notícias Associated Press sobre o tema, a diretora do Rudd Center for Food and Obesity (Centro Rudd para Alimentação e Obesidade), da Universidade de Yale, Kelly Brownell, questionou a efetividade dos programas desenvolvidos nas companhias contra a obesidade. “É, provavelmente, perda de tempo”, disparou.
O debate sobre as ações de qualidade de vida, nos EUA, passa pela dificuldade em mensurar os resultados alcançados. Mas, por lá, nem todos as desprezam. Muitos acreditam que alguns ganhos podem, sim, ser obtidos, e destacam como base do desenvolvimento dos programas as razões pelas quais eles são elaborados. Enumeram, também, quatro fatores decisivos para sua eficácia: adoção integral na empresa; comunicação clara e direta com os beneficiados; facilidade para ingressar nas práticas; e participação da ação pelo tempo necessário. Seja como for, é sempre bom investir no bem-estar e na qualidade de vida dos colaboradores. Pode ser, em alguns casos, a diferença entre a vida e a morte. Como o caso de Carlos Alberto Mendes Pavão.
Caso de sucesso
“Fumei por 36 anos”, diz Carlos Alberto Mendes Pavão, coordenador de informações cadastrais da Serasa Experian. Aos 55 anos, ele comemora seus seis anos sem tragar um cigarro. Como isso aconteceu? Em 2004, ele foi diagnosticado com princípio de enfisema pulmonar. “Tinha perdido 50% de minha função respiratória”, lembra. Pavão era fumante compulsivo: eram três maços de cigarros por dia. “Um pela manhã, outro à tarde e um à noite”. Era como um suicídio. Em 2002, veio o principal motivo para sua mudança de hábito. Seu irmão, aos 64 anos, morrera em sua frente, sem conseguir respirar. “Não esqueço a cena. Ele também era fumante. Tive medo de ter o mesmo destino”, comenta.
Hoje, Pavão recuperou 20% de sua capacidade respiratória. Anda 100 quilômetros de bicicleta, por fim de semana, e corre, até duas vezes por mês, oito quilômetros nas ruas. “Meu objetivo é conseguir realizar uma meia maratona”, revela Pavão, que acredita que sem a ajuda do programa anti-tabagismo da Serasa não teria conseguido largar o vício. “Sou muito grato, em especial, ao doutor Rensi”, diz. O médico ao qual ele se refere é Luis Fernando Rensi Cunha, do ambulatório da empresa. Quando fumante, Pavão trabalhava ao lado do ambulatório. Todos os dias, Rensi, que se tornou um amigo, lhe perguntava quando deixaria o cigarro. “Sempre respondia que não tinha vontade.” O médico não desistia e demonstrava, constantemente, a falta de ar que o acometia. “Um dia, saímos para caminhar em volta da empresa. Mal conseguia respirar. Estava completamente ofegante”, relembra.
O falecimento do irmão, porém, foi o impulso decisivo. “Após retornar de umas férias, procurei pelo doutor Rensi e pedi ajuda.” Por quatro meses, Pavão usou adesivos no corpo contra o cigarro. Após esse tratamento, abandonou o vício e se diz mais bem disposto. Ele garante que os benefícios vão de sua vida profissional à pessoal. “Minha mulher, em solidariedade, deixou o cigarro. Meus filhos, há um ano, já não fumam mais”, orgulha-se. No trabalho, tornou-se supervisor de 80 pessoas. “Sinto-me mais disposto. Antigamente, só tinha um pensamento: fumar. Ficava mais tempo na área dos fumantes do que no escritório.” Tudo isso, sem contar com sua autoestima. “Estou um gatão”, brinca.
Líderes como base
Autoestima em dia e saúde nos trinques é um bom binômio para outras conquistas. Como lembra Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), um funcionário estressado ou deprimido gera perdas enormes de produtividade. “Identificar quem precisa de apoio é um problema. Saúde é uma questão estratégica”, reconhece. Para ele, fundamental a todo o processo de valorização da qualidade de vida são as ações continuadas.
Segundo Ogata, um dos desafios atuais é a extensão dessa visão de negócio às empresas de médio e pequeno porte. “Por sua estrutura, os pequenos empresários sofrem mais os reflexos de funcionários com algum problema”, ressalta. Ele também destaca a importância de a iniciativa ser conduzida por quem ocupa os cargos de liderança das corporações. “Tudo começa com a governança. A modificação tem início entre os líderes, com os trabalhadores como foco.” Esta opinião é compartilhada por Mauri Gomes, coordenadora de benefícios e proteção à saúde, da Ticket. “Essa questão tem de ser top/down. As lideranças têm de comprar a ideia”, explica.
A Ticket desenvolve, há oito anos, o programa Viva Melhor para promoção à saúde, cujos pilares foram baseados nos custos e no clima organizacional da empresa. Mauri lembra que a grande preocupação, antes da implementação do projeto, foi o conhecimento das necessidades dos colaboradores. “Nos anos que antecederam o início do Viva Melhor, os custos com o plano de saúde estavam elevados. Reconhecemos que ele não era bem administrado e sabíamos que poderíamos fazer melhor”, recorda. “Outro ponto a atingir era mostrar aos colaboradores o quanto a empresa estava preocupada com a saúde deles”, completa.
No primeiro momento, segundo a executiva, o colaborador estranhou as mudanças. “Principalmente, quando propusemos a coparticipação para pagamento do benefício”, lembra. Mas, de acordo com Mauri, a resistência foi quebrada com uma forte comunicação interna. “O entendimento das mudanças era essencial. É importante mostrar os resultados das ações. Dar devolutiva”, conta. Hoje, o programa atende a quatro mil vidas (porque é extensivo aos familiares dos colaboradores). E boa parte dos bons resultados (veja quadro na pág. 58) deve-se, também, na visão da executiva, ao nível de conhecimento do beneficiado. “Não adianta nada pegar um programa pronto”, enfatiza Mauri, que acredita que no mundo corpos compreendem a importância de seu papel nisso. Trata-se de um caminho sem volta”, conclui.
Passo a passo |
Dicas para uma implantação sem medos e receios
· Identificar a necessidade do colaborador é fundamental; · Gestores e líderes são exemplos e agentes multiplicadores das ações; · O programa tem de ter adoção integral na empresa; · É preciso comunicação clara e direta com os beneficiados; · Tem de haver facilidade no ingresso das práticas; · O colaborador precisa fazer parte da ação pelo tempo necessário. |
Redução que faz bem |
Antes da implantação do programa Viva Melhor, a Ticket trabalhava com várias operadoras de saúde, havia uma falta de sinergia entre o plano assistencial e ocupacional, bem como era verificada uma ausência de mecanismos de conscientização e envolvimento do usuário. Os custos do benefício saúde eram elevados e sem valor agregado ao usuário: chegou-se a desembolsar 6,9 milhões de reais para atender 4 mil usuários. Com o programa, a empresa verificou:
Uma redução de 40% no custo do plano; |
Números |
Nos EUA o número de programas de qualidade de vida só cresce. Aproximadamente, quatro em 10 empregadores (37%) oferecem este benefício. É mais que os 27% identificados em levantamento em 2005. Entre as empresas com mais de 500 funcionários, este número é de seis em 10 (61%). Em 2005, eram 46%. |
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