Empresas que já começaram a usar o eSocial, sistema que reúne dados do setor privado enviados ao governo, relatam dificuldades em atender as exigências do programa. Para não deixar de cumprir prazos, alguns contadores e administradores de condomínio contrataram funcionários e reforçaram os investimentos em TI e recursos humanos. Procurada, a Receita Federal informou ao G1 que está tomando providências e que, por enquanto, não está aplicando multas (veja as respostas ao fim do texto).
O eSocial é uma ferramenta que reúne os dados trabalhistas, fiscais, previdenciários das empresas em uma só plataforma. Ainda em implantação, o sistema está sendo adotado aos poucos, antes de passar a ser obrigatório para os 18 milhões de empregadores do país. Antes, somente patrões de empregados domésticos eram obrigados a usar o eSocial.
Desde 16 de julho, empresas de médio porte (que faturam entre R$ 4,8 milhões e R$ 78 milhões) passaram a ter que enviar seus dados ao sistema, que já era obrigatório desde janeiro para as grandes. Já as micro e pequenas e os MEI (microempreendedores individuais) podem fazer o uso facultativo do eSocial desde julho, mas só serão obrigadas a partir de novembro.
Reclamações
A principal queixa dos empreendedores tem sido reunir todo o histórico trabalhista dos funcionários no cadastro do eSocial, da contratação a licenças e demissão. Qualquer inconsistência nos dados impede que o sistema continue funcionando.
“A ferramenta checa todas as informações e se tiver um probleminha, ele trava e manda corrigir. Isso está gerando muita dificuldade”, diz o especialista em segurança do trabalho e diretor do Grupo Delphi, David Gurevitz.
Por exemplo, o eSocial não aceita dados de um funcionário que foi registrado com nome de solteiro e mudou o sobrenome ao casar-se posteriormente. Empregados que perderam a carteira de trabalho e fizeram uma segunda via com novo número do PIS também podem não ser identificados.
Problemas deste tipo têm obrigado patrões e contadores a atualizar o cadastro completo de seus funcionários, exigindo deles uma força-tarefa. As principais dificuldades relatadas pelas empresas são as seguintes:
- Inconsistências e dados duplicados, como PIS e nome de casado, travam o sistema e impedem o preenchimento do cadastro;
- Quantidade de informações exigidas é muito grande e eleva custos nas áreas de recursos humanos e contabilidade;
- Empresas temem levar multas por não conseguirem entregar os dados no prazo;
- Governo faz mudanças constantes na fase de testes e exige que empresas também se adaptem;
- Faltam informações e campanhas de conscientização para preparar as empresas.
Empresas especializadas em operar dados contábeis e trabalhistas passaram a investir mais nas áreas de recursos humanos, contabilidade e terceirização de serviços de TI para rodar o software que “dialoga” com a base do governo.
“Para mobilizar essa quantidade de pessoas envolvidas para dar certo, os contadores e as administradoras terão que cobrar mais das empresas, porque vão ter que contratar pessoas para fazer isso”, diz Gurevitz.
Além dos dados cadastrais, o eSocial passará a exigir em suas fases seguintes que as empresas informem toda a movimentação trabalhista, da folha de pagamentos à demissão – dados que antes eram comunicados a órgãos diferentes como a Previdência, o Ministério do Trabalho e a Receita Federal.
Planejamento e meses de adaptação
A Lello Condomínios, que administra prédios com cerca de 9 mil funcionários, separou um grupo de seis profissionais dedicados apenas ao eSocial e criou um calendário para implantar os dados de forma gradual.
A empresa trabalhou quatro meses para tratar inconsistências com informações dos funcionários e planejou mais dois meses para a inclusão de todas as informações no sistema. Só depois vai começar a rotina de envio regular dos dados.
“O planejamento foi a fase mais difícil. Depois de entender a forma como lidar, a coisa flui melhor”, conta a gerente de relacionamento da Lello, Angélica Arbex.
A ferramenta também vai exigir dos síndicos de prédios uma atenção especial e um contato mais próximo com a administradora, para saber se os funcionários do condomínio já estão cadastrados e entregar as informações trabalhistas, como férias e horas extras, como parte da rotina.
Para evitar problemas, o síndico profissional de seis condomínios José Roberto Arantes se antecipou desde o início da implantação do eSocial e montou planilhas para controlar os dados dos 31 funcionários dos prédios onde atua.
“Essas tarefas subiram na minha lista de prioridades”, diz. Ele acredita que houve pouca divulgação do eSocial. “Tive sorte de trabalhar com parceiros preocupados com isso que permitiram esse planejamento.
O presidente da Fenacon, Sergio Approbato Machado Junior, diz que o projeto é bom, mas que será um grande desafio para todas as empresas se adaptarem dentro do prazo previsto.
“Se imaginar que boa parte das empresas é de médio porte para baixo e poucas delas têm um departamento de recursos humanos para auxiliar o escritório de contabilidade, estou descrente da eficácia do eSocial”, diz.