Não há dúvidas que a modernização da Consolidação das Leis do Trabalho(CLT) pela Lei 13.467/2017 trará muitos benefícios à sociedade. Mas ainda há muito o que evoluir e exemplo disso é o denominado acidente de percurso ou de trajeto, esquecido pela novíssima reforma e que promete continuar afetando o empregador, mesmo quando ele não tenha qualquer relação com o meio de transporte utilizado pelo empregado para o deslocamento residência-trabalho-residência.
Enganam-se os que chamam a Lei 13.467/2017 de “reforma trabalhista”. Além das mudanças relacionadas ao Direito do Trabalho, a nova lei também traz sensíveis modificações previdenciárias, como é o caso do enunciado do que será o novo § 2º do art. 457 da CLT, segundo o qual “as importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”. Do mesmo modo, o art. 4º da Lei 13.467/2017 altera a Lei 8.212/1991 (plano de custeio da Previdência Social), para confirmar que os valores de assistência prestada por serviço médico ou odontológico pagos pelo empregador não são base de cálculo das contribuições previdenciárias, sem a obrigação atual do benefício ser destinado a todos os empregados e dirigentes da empresa.
A propósito, acertou o legislador ao mesclar enunciados trabalhistas e previdenciários. Afinal, segundo as técnicas de produção legislativa previstas na Lei Complementar 95/1998, “a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão” (art. 7º, II). Nesse sentido, e sobretudo pelo ponto de vista do empregador, as hipóteses e os fatos trabalhistas e previdenciários são mais que afins, pertinentes e conexos.
Dessa forma, é fato que com a reforma recente, o § 2º do art. 58 da CLT, que trata das chamadas horas in itinere ou tempo incorrido pelo empregado nos percursos ida e volta entre sua residência e o trabalho, dirá que “o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”. No contexto da nova CLT, portanto, está mais do que claro que quando o empregado estiver se deslocando entre sua residência e o local de trabalho, a pé ou em veículo, inclusive no retorno, não estará ele à disposição do empregador.
Frisamos que a CLT atual, previamente à alteração pela Lei 13.467/2017, não trata da disponibilidade do empregado para o empregador durante o percurso residência-trabalho-residência. O que há atualmente na CLT, antes da mudança vigente somente a partir de 11/11/2017, é que o tempo de percurso “não será computado na jornada de trabalho”, salvo quando os locais forem de difícil acesso ou não servidos por transporte público e o empregador forneça o transporte. Dessa forma, enquanto o enunciado atual do art. 58, § 2ºda CLT trata exclusivamente de jornada de trabalho, seu novo enunciado trará mais: o empregado não estará à disposição do empregador.
Ora, se por expresso reconhecimento legal do que para nós sempre foi lógico, não estará o empregado à disposição do empregador durante o trajeto residência-trabalho-residência, apresenta-se no mínimo ilógico e sem fundamento classificar de acidente do trabalho aquele sofrido pelo empregado durante esse tempo. Mas é o que continuará dizendo a Lei 8.213/1991 (plano de benefícios da Previdência Social) em seu art. 21, IV, d, ao dispor que equipara-se ao acidente do trabalho, para os fins daquela Lei, o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho, “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.
A propósito, é indispensável lembrarmos que o empregador é responsável exclusivamente pelos riscos de sua atividade econômica (art. 2º da CLT). Assim, a Lei previdenciária, já por esse prisma, avança sobre ponto já tratado pela Lei trabalhista ao atribuir ao empregador responsabilidades por atividades alheias às dele e de seus negócios, como é o caso das atividades que os empregados livremente conduzem, a pé, em transportes público ou particulares, no trajeto de ida ou volta ao trabalho. O empregador, sem praticar qualquer ato ilícito e sem estar o empregado no trabalho ou a sua disposição, é obrigado pela Lei previdenciária a reportar acidente do trabalho até um dia após a ocorrência, se este ocorreu no trajeto de ida e volta ao trabalho, do contrário poderá ele sofrer multa pela falta de emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT, art. 22 da Lei 8.213/1991).
A absurda responsabilização do empregador por algo que ele não têm qualquer domínio afetava até mesmo o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), índice anual calculado pela Previdência Social que modula a parte variável das contribuições previdenciárias das empresas. Mas com a Resolução 1.329/2017 do Conselho Nacional de Previdência (CNP), os acidentes de trajeto deixaram de ser considerados para fins de FAP. Como explicou o diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional da Secretaria de Previdência, Marco Pérez, “esse critério não deve ser considerado para bonificar ou sobretaxar a empresa, uma vez que o empregador não possui ingerência sobre os acidentes de trajeto”.[1]
Para o empregado praticamente nada muda se o acidente por ele sofrido no trajeto de ida ou de volta para o trabalho seja ou não considerado acidente do trabalho, afinal, sendo ele segurado obrigatório da Previdência Social e observadas as regras aplicáveis, terá ele ou seus dependentes legais direito aos benefícios previdenciários em decorrência de acidentes de qualquer natureza.
Mas para o empregador a situação é completamente diferente. Primeiro porque o acidente do trabalho garante o empregado no emprego por 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário. Por esse tempo, portanto, um empregador não poderá dispensar sem justa causa empregado que sofreu acidente de percurso, mesmo não estando o trabalhador à disposição do empregador conforme a nova CLT.
Além disso, a Lei 8.036/1990, que dispõe sobre Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), determina que o depósito do FGTS pelo empregador é obrigatório nos casos de licença por acidente do trabalho. Desse modo, o empregador, mesmo sem o empregado ter estado à sua disposição no trajeto ida e volta para o trabalho e mesmo sem pagar remuneração pelo trabalho durante o afastamento, continua com o ônus de recolher as contribuições de 8% sobre a remuneração do empregado afastado por acidente de percurso equiparado a acidente do trabalho.
Por todo o exposto, forçoso concluirmos que o art. 21, IV, d da Lei 8.213/1991 restará incompatível com o novo § 2º do art. 58 da CLT. Essa hipótese, que segundo o art. 2º, 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), será passível de ser interpretada como revogação do primeiro pela segunda, o que sem dúvida poderá ser utilizada pelo empregador a partir de 11/11/2017, data de vigência da nova CLT, como fundamento para ações judiciais em busca dessa declaração e, consequentemente, do afastamento das repercussões do acidente do trabalho no contrato de trabalho.
Fonte: https://www.jota.info
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